Lidia Tomás / 8 de Outubro de 2024

Bioimpressão celular 3D, ficção científica ou realidade?

A bioimpressão celular 3D é uma tecnologia de ponta para criar tecidos vivos, como vasos sanguíneos, ossos, cartilagem ou pele. Baseia-se na tecnologia de manufatura aditiva da impressão 3D. Ou seja, as estruturas celulares tridimensionais são geradas adicionando camada após camada de material, sem a necessidade de um molde. O material adicionado camada por camada é chamado de “bio-tinta”. A sua aplicação tem-se estendido a setores como o farmacêutico, dermocosmético e alimentar. Gostarias de saber mais?

A bio-tinta é o material fluido carregado nos injetores da bioimpressora, permitindo imitar a arquitetura do tecido celular alvo. Os seus principais componentes incluem:

  • Células vivas representativas do tecido a ser impresso, provenientes de um único tipo de célula ou de múltiplos tipos
  • Biomateriais para gerar estruturas ou andaimes, como colagénio, gelatina ou hidrogéis à base de ácido hialurónico ou polietilenoglicol, juntamente com componentes para a manutenção das células
  • Outros compostos ou moléculas que permitem a solidificação ou a reticulação

Dado que é complicado para um único material possuir todas as propriedades necessárias para alcançar as características exigidas (propriedades reológicas e mecânicas, capacidade de impressão, biocompatibilidade celular), uma das tendências é usar bio-tintas multicomponentes. Assim, os materiais são frequentemente combinações de várias substâncias para atingir as propriedades mecânicas desejadas e facilitar a capacidade de impressão.

As quatro principais etapas da bioimpressão

A criação de estruturas celulares 3D através da bioimpressão pode ser dividida em quatro principais etapas:

  1. Design da estrutura (seleção de células, materiais para a geração da bio-tinta)
  2. Processo de bioimpressão
  3. Cultivo pós-bioimpressão da estrutura celular (funcionalização, e/ou suporte de crescimento, biorreator, etc.)
  4. Avaliação da estrutura (verificação de viabilidade, estrutura e funcionalidade)

Três tipos de tecnologias para bioimpressão

O processo de bioimpressão celular em si, ou seja, a forma como as estruturas são criadas pela deposição da bio-tinta no suporte, pode ser classificado em três tipos de tecnologias nas quais se baseiam as diferentes bioimpressoras disponíveis no mercado:

  1. Bioimpressão por extrusão, onde a bio-tinta é extrudida através de injetores formando um filamento contínuo;
  2. Bioimpressão drop-on-demand, na qual a bio-tinta é colocada através de uma “gota discreta” que se empilha para criar a estrutura. Existem também diferentes formas de criar a gota (processos térmicos, piezoelétricos e assistidos por laser).
  3. Bioimpressão baseada em fotopolimerização, que se baseia na sensibilidade à luz de alguns polímeros para a sua solidificação através da luz.
A bioimpressão celular foi inicialmente concebida como uma alternativa à contínua procura de transplantes de órgãos. Foi demonstrada pela primeira vez pelo Dr. Klebe nos anos 80, através da microadição de células em camadas, utilizando uma impressora convencional Hewlett-Packard (HP). No entanto, os avanços tecnológicos que facilitam e aumentam a viabilidade celular após passar pelos injetores, entre outros fatores, permitiram uma intensificação da investigação sobre a sua aplicabilidade desde o ano 2000. Graças à capacidade de manipulação espaço-temporal de várias células, a bioimpressão tornou-se num dos sistemas que melhor recria o microambiente celular dos tecidos, imitando assim o comportamento celular em escala laboratorial. A bioimpressão 3D de órgãos é complexa e a tecnologia ainda precisa de evoluir.

Aplicação da bioimpressão 3D nos setores farmacêutico, dermocosmético e alimentar

A aplicação da bioimpressão 3D estendeu-se a vários campos para além da medicina regenerativa para reconstrução de tecidos (por exemplo, córneas, ossos ou cartilagens), tais como:

  • No setor farmacêutico, para estudar o mecanismo de ação de certas patologias e identificar novos medicamentos, como agentes antitumorais
  • No setor dermocosmético, para criar pele e estudar os efeitos de compostos ou fórmulas específicas.
  • Adicionalmente, outro setor com aplicações potenciais é a indústria alimentar, que se adequa ao desenvolvimento de ingredientes e produtos com efeitos funcionais. Esta tecnologia permite a criação de modelos in vitro mais precisos das funções fisiológicas de interesse, bem como a produção de carne in vitro, uma das alternativas tecnológicas mais significativas para o fornecimento sustentável de proteínas. A bioimpressão 3D permite a criação de andaimes sobre os quais as células do tecido muscular são depositadas para posterior cultivo num biorreator.

Um dos principais desafios futuros da bioimpressão 3D é a criação de órgãos para transplantes. Embora a reprodução de uma estrutura celular tão complexa tenha sido o seu objetivo inicial, continua a ser uma tarefa difícil. No entanto, está-se a fazer progressos. Vale a pena destacar que já se discute a bioimpressão 4D, onde as células utilizadas para criar os tecidos são células doadoras. Portanto, prevê-se que esta tecnologia seja fundamental para a biomedicina personalizada.

Com base no exposto, consideramos a bioimpressão celular como uma tecnologia revolucionária de engenharia de tecidos, que está a tornar o “in vitro” cada vez mais próximo do “in vivo”.

TECNOMIFOOD:Desenvolvimento de Modelos Celulares através de Bioimpressão 3D

AINIA, no âmbito do projeto TECNOMIFOOD, está a trabalhar no desenvolvimento de modelos celulares através da bioimpressão 3D. Além disso, a utilização de um sistema integrado próprio, que inclui o Digestor Dinâmico de AINIA para a fermentação colónica e os modelos celulares 3D, permite a recriação de todo o processo de ingestão de produtos: digestão gastrointestinal, bioacessibilidade e biodisponibilidade de compostos, imitando a interação com a microbiota intestinal, bem como o efeito biológico no tecido alvo. Combinado com as tecnologias ómicas para monitorizar as respostas biológicas (proteómica, metagenómica e transcriptómica direcionada), isto constitui um modelo pré-clínico in vitro versátil, robusto e preciso para identificar, selecionar e avaliar ingredientes bioativos e produtos funcionais.

A Rede TecnomiFood é uma rede formada por cinco centros tecnológicos (AINIA, ANFACO, AZTI, CNTA, LEITAT), que visa integrar tecnologias ómicas para facilitar o acesso das empresas a estas tecnologias e otimizar a sua utilização em todas as fases da cadeia de valor no design e avaliação de ingredientes, nutracêuticos e alimentos funcionais.

REDTECNO

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Lidia Tomás
Responsable de estudios preclínicos in vitro
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