O CO2 supercrítico pode ser aplicado não só para obter extratos que podem ser encapsulados, mas também noutras etapas do processo ligadas à encapsulação (para gerar partículas, impregnar materiais, reduzir a carga microbiológica, etc.).
A procura por alternativas mais sustentáveis para enfrentar desafios tecnológicos e sociais deixou de ser uma tendência minoritária para se tornar uma necessidade reconhecida pela sociedade e pelas instituições, refletida, por exemplo, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), sobre o qual assenta o Plano de Ação para a Economia Circular, adotado em 2020.
As preferências dos consumidores e as exigências da indústria para lhes dar resposta incluem, por exemplo, a obtenção e utilização de produtos mais naturais e seguros para melhorar a qualidade de vida, procurando que as sensações associadas ao seu uso sejam o mais agradáveis possível. O interesse pela própria saúde, mas também pela saúde dos restantes seres vivos e do ambiente, sustenta uma crescente atenção não só nas matérias-primas e ingredientes derivados, mas também nos métodos utilizados para a sua obtenção. Esta tendência é particularmente notável na alimentação, mas também na cosmética. Isso explica o crescente interesse pela proteção de substâncias bioativas frágeis para que mantenham a sua funcionalidade (extratos funcionais, mas também microorganismos ou células) ou pela melhoria das suas propriedades para facilitar o seu uso (por exemplo, a redução do seu impacto organolético). A encapsulação – quer a nível macroscópico, microscópico ou nanométrico – pode contribuir positivamente nesta linha e, nesse sentido, a tecnologia de fluidos supercríticos, mais concretamente do dióxido de carbono supercrítico (CO2-SC), oferece numerosas oportunidades de processos inovadores e sustentáveis.
CO2 supercrítico: ferramenta multifacetada para inovar na encapsulação
Em geral, o CO2-SC é considerado o fluido supercrítico mais amplamente utilizado em diversas aplicações, devido às vantajosas propriedades que apresenta nessas condições especiais de processo (alta difusividade, grande poder de dissolução, não tóxico, não inflamável nem explosivo, custo moderado, amplamente disponível, etc.).
A versatilidade do CO2 supercrítico motivou a expansão, nas últimas décadas, do leque de temas e campos de investigação, como atesta o constante crescimento de publicações científico-tecnológicas e, mais concretamente, as novidades surgidas em 2020.
Focando a atenção na aplicação de CO2 em condições supercríticas em alguma das etapas de processo associadas à encapsulação de substâncias diversas, é possível ilustrar algumas das possibilidades mais relevantes com exemplos publicados nos últimos meses.
- Obtenção de extratos para posterior encapsulaçãon
O CO2 supercrítico é um agente de extração ideal para substâncias apolares lipofílicas. Por isso, além de ser utilizado para desengorduramento e obtenção de ingredientes proteicos, pode ser empregado na obtenção de extratos de alta qualidade. Os processos de extração com CO2 supercrítico são realizados na ausência de oxigénio e normalmente a temperaturas moderadas, pelo que as frações extraídas mantêm as suas propriedades e podem apresentar vantagens funcionais ou organoléticas em relação a extratos obtidos por outras tecnologias, especialmente quando envolvem solventes orgânicos.
Neste âmbito coexistem exemplos de aproveitamento que chegaram à escala industrial (indústria cosmética, indústria de fragrâncias, etc.) com novas investigações para melhorar aspetos que podem favorecer novas aplicações, como a interação com outros componentes. Num estudo publicado em 2020, refere-se a obtenção com CO2 supercrítico de um extrato de cascas de cebola com atividade antioxidante e quercetina como flavonoide principal, e a sua interação com péptidos como a beta-lactoglobulina como possíveis vetores (carriers).
- Geração de partículas micro/nanoencapsuladas em processos assistidos com CO2 supercrítico
A tecnologia de CO2 a alta pressão e, especialmente, em estado supercrítico está entre as alternativas disponíveis para obter partículas de pequeno tamanho (micronização) ou para a geração de encapsulados de certas substâncias revestidas por outras, especialmente à escala micrométrica. São muito numerosos e variados os processos focados na geração de partículas de pequeno tamanho que aproveitam as propriedades do CO2-SC, sendo esta família de aplicações uma das tendências mais vanguardistas da tecnologia, devido às amplas oportunidades e aos inúmeros desafios tecnológicos associados, dependendo das necessidades específicas de cada caso.
As características das substâncias que se pretende encapsular, o tipo de revestimento ou a aplicação final do encapsulado, o propósito da encapsulação, etc., condicionam a seleção da tecnologia mais adequada, sendo necessário analisar as alternativas dos processos com CO2 que poderiam ser utilizados, tendo em conta estes fatores e o estado da tecnologia (considerando não apenas os avanços tecnológicos em si, mas também o seu estado de desenvolvimento e proteção). Com base nesta análise, será possível eliminar as opções que não se adaptem aos requisitos e/ou restringir as mais promissoras, bem como identificar o percurso necessário para o desenvolvimento de soluções específicas concretas.
Em 2020 continuaram a surgir inovações neste campo, com exemplos muito variados tanto em relação às substâncias encapsuladas como às finalidades e ao papel do CO2 no processo de geração de partículas (micronizadas, microencapsuladas, etc.). Entre eles: Vitaminas e outros micronutrientes (vitamina E e vitamina C e compostos de ferro; riboflavina com tocoferol, etc.) em encapsulados multifuncionais orientados para aplicações alimentares, biomédicas e cosméticas; extratos naturais para proteger as suas propriedades biofuncionais (açaí, pimenta rosa; óleo essencial de louro para preservar as suas propriedades biocidas (bacteriostáticas, antifúngicas); óleo de lima para prolongar o tempo de libertação; compostos bioativos para melhorar as suas propriedades através da micronização/nanonização (curcuma mangga, disulfiram antitumoral, etc.) ou microencapsulação (coenzima Q10 para facilitar a sua dosagem, biodisponibilidade e bioacessibilidade, princípios ativos farmacológicos como amoxicilina, anti-inflamatórios não esteroides); (arginina; até mesmo corantes para tingimento de couro…)
Simplificando bastante quanto à função do CO2 supercrítico nos processos de encapsulação, pode-se destacar que em certos tipos de processo se aproveita a solubilidade das substâncias envolvidas no CO2 supercrítico, gerando-se as partículas ao modificar as condições do processo para outras em que estas deixam de ser solúveis. No extremo oposto, há outras opções de processo que utilizam o CO2 supercrítico como agente antissolvente, ou seja, para forçar a geração das partículas ao reduzir a solubilidade das substâncias nas soluções de partida devido à intervenção deste fluido. A lista de processos e variantes com CO2 supercrítico, com diferentes papéis, é muito extensa [alguns dos mais reconhecidos: RESS (expansão rápida de soluções supercríticas), GAS (processo de gás antissolvente), SAS (antissolvente supercrítico), PCA (precipitação com fluido comprimido antissolvente), PGSS (partículas de soluções saturadas com gás), DELOS (despressurização de uma solução orgânica líquida expandida); SFEE (extração de fluidos supercríticos de emulsões), ASES (sistema de extração de solvente por aerossol), etc.] e continua a crescer, o que demonstra o interesse nesta linha tecnológica.
Em todos os tipos de processos, o resultado final não depende apenas dos mecanismos e fenómenos associados, mas também dos sistemas e dispositivos experimentais. Por isso, o campo das investigações e publicações inclui também novidades em relação a elementos chave associados às instalações (por exemplo, bicos; sistemas de recolha de partículas; sistemas de mistura; sistemas de regulação; etc.).
- Impregnação com CO2 supercrítico de encapsulados e suportes
Outra possibilidade tecnológica reside na alta difusividade do CO2 supercrítico, que facilita a penetração através da estrutura dos materiais. Esta capacidade, juntamente com a de solubilização de substâncias, suporta os processos de impregnação de materiais para lhes conferir alguma funcionalidade adicional.
Desta forma, além de outras aplicações de impregnação, o CO2 pode ser utilizado para incorporar alguma substância em partículas geradas por outras técnicas, resultando em encapsulados ou microencapsulados, dependendo das características dos materiais de suporte nos quais se incorporam as substâncias que se pretendem dosificar. Por exemplo, foi publicada a impregnação supercrítica de micropartículas de soja, previamente geradas por outra técnica, para as carregar com óleo de chia, conseguindo-se a proteção do óleo contra a oxidação, bem como a libertação controlada em condições semelhantes às gastrointestinais, o que seria fundamental para a sua absorção.
- Pós-processamento de partículas encapsuladas através de outras alternativas tecnológicas: Eliminação de resíduos de solventes, secagem, esterilização de materiais sensíveis
As alternativas tecnológicas de microencapsulação são muito variadas, e parte dos processos envolve a utilização de solventes orgânicos, o que geralmente resulta em certa presença de resíduos no produto final. Se essa situação for indesejável, além de considerar uma alternativa diferente de encapsulação, pode-se aplicar um processo de pós-tratamento nas microcápsulas. Este é o caso de um dos exemplos surgidos em 2020, onde os investigadores utilizaram CO2 supercrítico para eliminar resíduos de diclorometano em microesferas de PLGA com risperidona, obtendo uma eliminação de até 99%.
Em outras situações, a encapsulação envolve substâncias muito delicadas, sendo necessário um tratamento prévio adequado para garantir a sua utilização final de forma segura, sem comprometer o próprio material. Um exemplo recente mostra a convergência entre as investigações biomédicas e de processo para o desenvolvimento de um novo material voltado ao tratamento de doenças. O trabalho publicado baseia-se no potencial da encapsulação de células, combinada com o desenvolvimento de células com respostas específicas para o tratamento de doenças, como o caso da diabetes tipo 1. Os investigadores concentram-se no desenvolvimento de membranas nanoporosas baseadas em hidrogéis de poliuretano com alto teor de água, que são posteriormente tratadas para eliminar substâncias citotóxicas e alcançar um nível de esterilidade suficiente para futura implantação no corpo, permitindo que as células excretem substâncias. Especificamente, indicam que um tratamento com CO2 supercrítico durante 2 horas foi suficiente para atingir níveis de SAL (nível de garantia de esterilidade) de 10^(-6), considerando que as membranas nanoporosas desenvolvidas seriam adequadas para a encapsulação de células em dispositivos em escala macroscópica, utilizáveis em implantes. Apontam para estudos futuros que continuarão a investigar e avançar nesta linha.
AINIA reúne capacidades e know-how tanto no campo da tecnologia de fluidos supercríticos como na encapsulação, o que apoia as suas atividades no aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo CO2 supercrítico na área da encapsulação. AINIA possui mais de 25 anos de experiência no desenvolvimento e escalonamento de soluções sustentáveis e eficientes baseadas em processos com CO2 supercrítico, desde a escala piloto até ao nível industrial no ALTEX, e mais de 15 anos de experiência no desenvolvimento e escalonamento em diferentes processos de microencapsulação. Em 2020, o progresso continuou na área de investigação de processos com CO2 supercrítico para encapsulação de substâncias em diferentes alternativas tecnológicas, expandindo e ampliando as capacidades disponíveis. Para tal, foram identificados os elementos-chave a incorporar em várias alternativas de processo, sendo selecionados os mais adequados para aquisição e montagem de novos dispositivos experimentais.
Esses avanços foram desenvolvidos no âmbito das linhas de investigação cofinanciadas pelo IVACE (Instituto Valenciano de Competitividade Empresarial), no contexto do convénio de colaboração com a AINIA para desenvolver atividades de I+D+i que possam ser transferidas para o tecido industrial.